Entrevista a Tahereh Mafi

Por Vera Dantas
23 de fevereiro de 2024
Tahereh Mafi é uma das escritoras Young Adult (YA) de maior sucesso da atualidade, oscilando entre os subgéneros da fantasia e do thriller romântico distópico, com séries que já venderam milhões de livros em todo o mundo. Em Um Reino de Intrigas, o seu mais recente livro lançado em Portugal, evoca as suas origens iranianas, inspirando-se numa obra épica fantástica e numa amálgama de histórias, aromas e texturas que moldaram a sua infância. Thahereh acredita que o sucesso do género YA, que tem vindo a crescer na última década, se deve à forma como os romances para jovens adultos nos remetem frequentemente para os momentos mais marcantes das nossas vidas. E isso é algo que a fascina.

Este artigo foi originalmente publicado na Revista Wookacontece n.º 10

ENTREVISTA

Diz que se identifica mais como leitora do que como escritora. Continua a ler tão avidamente como antes, ou tem uma abordagem mais analítica, que exige mais tempo?
Atualmente, estou numa fase da minha vida em que tenho menos horas de lazer flexíveis do que quando era jovem, o que significa que leio sempre que tenho oportunidade. Há meses em que consigo ler vários livros – ou mais. Noutros meses, só tenho tempo para ler um ou dois – ou zero. Num sentido mais lato, a minha identidade como escritora é mais concreta; mas no meu coração acho que serei sempre uma leitora, em primeiro lugar.
 
Tahereh Mafi
Tahereh Mafi
Tem uma rotina de escrita? E um sítio onde prefere escrever?
A minha rotina de escrita é simples e nada romântica. Quando estou a escrever um romance, acordo muito cedo – antes do amanhecer – e trabalho até a minha filha acordar. Quando ela vai para a escola, volto para a minha secretária e trabalho até à hora de a ir buscar. Não gosto de trabalhar noutro sítio que não seja a minha secretária. Não consigo trabalhar em locais públicos; não gosto de me sentir exposta enquanto estou a escrever. Aprecio o silêncio, a privacidade e a intimidade de trabalhar num espaço acolhedor e isolado.
 
«Embora os meus romances estejam imbuídos da minha própria humanidade, eu não sou aquilo que crio.»
Planeia antecipadamente as personagens e a narrativa dos seus livros?
Sim, por vezes. Depende. Quando estou a escrever o primeiro livro de uma série, por exemplo, normalmente passo o meu primeiro rascunho a explorar as profundezas das personagens e do mundo que habitam. Quando estou a escrever as sequelas, os seus percursos são mais claros e fáceis de traçar. Mas gosto de deixar espaço para a espontaneidade quando estou a escrever. É divertido quando as minhas personagens me surpreendem.
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O seu processo de escrita mudou ao longo dos 12 anos desde que se tornou uma escritora publicada e ganhou experiência? Como?
Sim. Parte dessa mudança deve-se ao simples facto de terem passado doze anos. A minha vida é hoje diferente; eu sou diferente. Gosto de acreditar que sou uma melhor escritora hoje do que era há doze anos, mas tenho a certeza de que sou uma escritora mais eficiente do que era antes.

Os livros no género Young Adult (YA) proporcionam a experiência de viver a vida sob o prisma da adolescência – sentimentos estimulantes, coisas que nunca esquecemos. Acha que os seus livros ajudam os leitores jovens (e adultos) a lidar com os seus sentimentos?
Espero sinceramente que sim.


O que mais lhe agrada na escrita do género YA?
Inicialmente, senti-me atraída pelos livros do género Young Adult porque adorava a forma como a esperança ardia tão intensamente entre as capas dos livros. Quanto mais envelheço, mais óbvio e importante se torna para mim garantir que estamos a construir um mundo que dá esperança aos jovens. É uma honra fazer parte desse esforço.

Numa fase da sua vida académica, apercebeu-se de que se tinha esquecido do que era ler pelo prazer de ler. Muitos alunos veem a leitura como uma obrigação. Acha que o género YA está a ajudar as novas gerações a redescobrirem o prazer da leitura?
Acredito que o YA está a ajudar a introduzir o gosto pela leitura nas novas gerações. Conheço regularmente leitores que só recentemente descobriram o seu amor pelos livros – e encontraram o seu caminho através do mundo da literatura juvenil.
 
«Gosto de deixar espaço para a espontaneidade quando estou a escrever. É divertido quando as minhas personagens me surpreendem.»
Qual foi o livro mais difícil de escrever para si, e porquê?
Provavelmente, An Emotion of Great Delight. É o livro mais curto que já publiquei e, no entanto, é o mais pesado. Escrever essa história exigiu muito de mim e, no processo, teve um impacto emocional. Suponho que, por essa mesma razão, terá sempre um lugar especial no meu coração.

O que é que tem sido mais gratificante para si enquanto escritora??
O próprio facto de poder viver a minha vida como escritora a tempo inteiro.

E o que é mais desafiante?
A mercantilização do eu. O meu trabalho é, por vezes, intensamente pessoal; quando escrevo, baseio-me em emoções reais que vêm de lugares reais – e depois embalo essas emoções num produto destinado a ser vendido em lojas. Essa parte parece-me sempre estranha – e complicada. Porque, embora os meus romances estejam imbuídos da minha própria humanidade, eu não sou aquilo que crio. Estou à parte da minha arte. Pode ser difícil traçar essas linhas com suficiente nitidez para que não se confundam.

Está a pensar escrever noutros géneros no futuro? Quais?
Oh, sem dúvida. Há todo o tipo de livros que quero escrever, porque gosto de todo o tipo de livros.
 
 
«Um Reino de Intrigas é uma amálgama de histórias, aromas e texturas que moldaram a minha educação e a minha infância».
O seu livro recentemente lançado em Portugal, Um Reino de Intrigas, é inspirado na mitologia persa. Escrever este romance foi também uma forma de homenagear a cultura e o povo da sua família?
De certa forma. Um Reino de Intrigas é, em parte, inspirado no Shahnameh, uma obra épica e fantástica do famoso poeta iraniano Ferdowsi. Mas é também mais do que isso; é uma amálgama de histórias, aromas e texturas que moldaram a minha educação. Mais do que qualquer outra coisa, eu queria inspirar-me nas memórias sensoriais da minha infância – o sabor do chá, o aroma da água de rosas, o lirismo da poesia persa. De resto, o mundo de Um Reino de Intrigas é inteiramente fabricado; a língua é inventada, os costumes e os rituais são inventados. Foi escrito com afeto, a partir de um lugar real, mas é firmemente uma obra de ficção.

Ao acompanhar Alizeh, em Um Reino de Intrigas, entramos numa dimensão tão mágica quão reais são as emoções que transmite aos leitores (tal como os seus romances anteriores neste subgénero). Concorda que a fantasia e as histórias antigas refletem a vida e nos ajudam a ultrapassar as suas provações?
Acredito que a fantasia como metáfora pode ser muito poderosa. Quando se constrói um mundo de fantasia – quando se contam histórias sobre o "bem" e o "mal" e as suas muitas nuances – torna-se como que inevitável refletir sobre o mundo real. Sim, concordo plenamente que este tipo de histórias nos ajuda a ultrapassar as provações da vida. Pode ser tremendamente curativo ver a nossa dor através de uma lente que lhe dá significado – e nos dá esperança.

Qual considera ser a sua maior conquista?
Ser alguém que a minha filha admira.

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